Reencontro

Julhy Van Den Berg

Lembro como se fosse hoje, acordei com uma animação que não sentia a muito tempo, o sol ardia lá fora e o dia tinha um cheiro, cheiro de sábado.
Então eu fiz o meu almoço, tocando a playlist que me faz performar na frente das chamas do fogão, como se fossem meu público.
Depois de almoçar, enchi a garrafa com água, coloquei o fumo na bolsa e fui embora na bicicleta.
Não tinha ideia pra ou por onde ir, só segui em frente, rindo pro vento de um jeito que secava a boca, então as lágrimas começaram a descer após 30 minutos de pedalada, foi quando me dei conta de como aquele dia era especial.
Eu tinha acabado de me reencontrar!
Sim, já tinha um bom tempo que não via essa pessoa energética, sorridente e capaz de cruzar o mundo sozinha, a culpa? Não existe um culpado específico pra isso e sim uma sequência de acontecimentos que citá-los agora apagaria meu protagonismo nessa história e se tem algo que não é permitido hoje em dia, é isso!
Então naturalmente eu já sabia pra onde girar o meu guidão e parei onde sempre fui quando estava muito triste e também feliz, sentei com os pés pendurados, quase encostando na água e acendi meu fumo, abri a cerveja que comprei no caminho e finalmente fiquei matando a saudade que eu nem imaginava sentir de mim.

Sorrisos, cigarros e memórias

Julhy Van Den Berg

Trago o cigarro na esperança de acalmar os ânimos da euforia que muitas vezes é confundida com a ansiedade, da felicidade de bons dias, e da tristeza dos dias cinzas que tanto me assustam.
Minha boca toca o filtro, puxa o fumo e meu peito relaxa, mas as lágrimas caem e me toco da importância de não coloca a nicotina no meu corpo, tarde demais. Fuçando as caixas de memórias, que minha mente guarda de uma maneira nada aprovada por Marie Kondo, meu peito acalma e todos os demônios se calam.
O ontem vai se repetir, amanhã vai passar e hoje é importante também.
É engraçado como tem memórias que pregam na gente, meu corpo ainda se arrepia inteiro toda vez que me recordo da voz rouca, do gemido que sai entre os lábios e caiam no meu ombro. Talvez eu precise iniciar a prática de abraçar, agradecer e deixar essa recordação ir, no entanto é gostosa demais pra largar.
Então eu beijo outro cigarro para descansar meus lábios do sorriso besta que minha boca não resiste em arreganhar, toda vez que topo com essas memórias no início, meio ou fim do dia.

Novembro de 2019

Julhy Van Den Berg

Claramente eu deveria parar de assistir a todos as comédias românticas idiotas que via quando estava apaixonada, mas sinto falta de me sentir assim. As repetições dos dias me cansam, muito mais do que as atividades diárias.
Acho que estive me amando por muito tempo e sigo, mas estar com outra pessoa me faz falta e isso tem está cada dia mais gritante nos meus dias.
Mais um cigarro, que voltei a fumar, mais uma cerveja, que nunca larguei e nem pretendo.
Os dias são quentes, todo verão tinha um amor, um perder a cabeça e depois encontrar.
Mas eu cansei de viver, pelo menos essa vida que estou vivendo agora.
É isto.

Visitando o quarto antigo

Julhy Van Den Berg

Muitas vezes me pego retornando pro antigo quarto escuro, onde tudo era gritaria e tinha o sabor amargo que não era do meu café quente pela manhã. Esse gosto eu conhecia, estava carregado de dor. Meu peito acelerava, as lágrimas que rolavam dos meus olhos caiam pelo meu rosto lavando todos os meus poros. Me recordava do desejo de morrer.

Mas hoje, ao retornar para esse quarto, vejo uma fresta de luz, que vem de fora. Quem habitou ele antes, deixou um furo no telhado, recados nas paredes e um guia de como não chegar ao limite novamente.

Egoísmo está escrito em diversos idiomas.

Selfishness, égoïsme, эгоистичность, egoísmo.

Tudo para não me fazer esquecer desse sentimento tão importante e que me impede de doar tudo o que tenho e não tenho para quem chega na minha porta.

Pra quem entra e sai de mãos cheias ou nem tanto assim. Cansei de dar tudo e ao fim, ficar vazia. Seca ao ponto de tomar muito mais daquilo que dei, esgotar os que amo e muitas vezes precisam tanto quanto eu. É triste, doloroso e letal para qualquer sentimento bom que exista dentro de mim.

O quarto possui lágrimas, mas não é tão assustador como já foi um dia. Ele tem lembranças, nem todas são boas. E as lágrimas que correm hoje pela minha face vão contando histórias muito semelhantes a atualidade, meu desespero, mas depois o ar que me fugiu, voltar a preencher o meu peito.

Tudo vai melhorar. Sempre melhora.

Notas de amor

Julhy Van Den Berg

  O amor de fato é um grande drama, desse que a gente chora descendo atrás da porta, é ridículo, clichê, bobo e enjoativo. Pra quem nunca experimentou de fato o que ele é.
O amor de fato é o sentimento mais lindo!
Por amor eu te vejo e sorrio com olhos.
A culpa é do amor se eu fico com o estômago vazio, mesmo tendo acabado de comer.
É o amor que me faz sentir a cabeça girando, como se tivesse virado doses e doses da tequila mais barata da cidade.
É você que me aquece entre as pernas só de pensar e isso não é amor, é tesão.

A chegada

Julhy Van Den Berg

    “E nas ruas da cidade tinha a gente ali, caminhando juntas”.
É assim nos meus sonhos e na lembrança de você indo me deixar no metrô, aquele dia eu queria ter ficado mais, porém não vou me arrepender de ter ido embora.
Ir me fez ver o quanto eu queria voltar correndo, o reencontro foi ainda mais gostoso que o outro dia, cheio de medo, nervoso e curiosidade. A vontade de dizer “eu te amo”.
O meu peito estava vazio, você chegou entrando com tudo, meteu o pé na porta e me preencheu, de amor.
Sigo na saudade que só aumenta e vai tomando conta de mim, dia após dia, desde o dia que eu te disse “até logo”.
Obrigada por ter chegado.

Relatos de uma crise

Julhy Van Den Berg

   Eu nem consigo me recordar de como foi a primeira vez, mas quando as lágrimas ficam impedidas de escorrerem novamente, lembro de como era o sentimento. Doloroso.
Fazia mais de um ano que eu não recebia essa visita, vem sempre sem avisar, me enforca e não solta, mesmo que eu peça, em silêncio, que pare. Claro que não vai parar.
Não consigo falar, pensar, respirar. Minhas mãos estão tremendo e eu estou impedida até de chorar. Que ridículo.
Quero vomitar, de novo. Mas também não consigo.
Eu sei o que deu gatilho para que esse monstro adentrasse a minha casa, essa que era feita de só paz, a maioria das vezes. Esse teto que me ensinou que eu era feliz sozinha, agora está escuro como a noite e repleto de gritos que vão caindo no meu ouvido dizendo “Você jamais será suficiente”.
É um dia inteiro disso, eu não quero morrer, mas os gritos dizem “Eu sei que você ainda pensa nisso”.
A noite chegou e o sono finalmente caiu nos meus olhos, acabou.

A mulher cansada

Julhy Van Den Berg

E a mulher com o jeito inquieto muda de posição e beija o tabaco
Aparentemente triste e destruída
Gasta pela vida
O olhar caído e cansado
Tentava se iludir, que aquilo acalmaria o coração
Tentou acreditar que a solução era a nicotina com cafeína
Quanto mais tragava, morria, a alma ia se dissipando com a fumaça
A lágrima escorria no rosto cansado
Se sentia culpada
Responsável pelo próprio sofrimento
Desgraçada
Destruída
Calma mulher, a culpa não é sua, o sistema que é sujo, que insiste em te deixar menor, mas acorda! Tu é grande!