Visitando o quarto antigo

Julhy Van Den Berg

Muitas vezes me pego retornando pro antigo quarto escuro, onde tudo era gritaria e tinha o sabor amargo que não era do meu café quente pela manhã. Esse gosto eu conhecia, estava carregado de dor. Meu peito acelerava, as lágrimas que rolavam dos meus olhos caiam pelo meu rosto lavando todos os meus poros. Me recordava do desejo de morrer.

Mas hoje, ao retornar para esse quarto, vejo uma fresta de luz, que vem de fora. Quem habitou ele antes, deixou um furo no telhado, recados nas paredes e um guia de como não chegar ao limite novamente.

Egoísmo está escrito em diversos idiomas.

Selfishness, égoïsme, эгоистичность, egoísmo.

Tudo para não me fazer esquecer desse sentimento tão importante e que me impede de doar tudo o que tenho e não tenho para quem chega na minha porta.

Pra quem entra e sai de mãos cheias ou nem tanto assim. Cansei de dar tudo e ao fim, ficar vazia. Seca ao ponto de tomar muito mais daquilo que dei, esgotar os que amo e muitas vezes precisam tanto quanto eu. É triste, doloroso e letal para qualquer sentimento bom que exista dentro de mim.

O quarto possui lágrimas, mas não é tão assustador como já foi um dia. Ele tem lembranças, nem todas são boas. E as lágrimas que correm hoje pela minha face vão contando histórias muito semelhantes a atualidade, meu desespero, mas depois o ar que me fugiu, voltar a preencher o meu peito.

Tudo vai melhorar. Sempre melhora.

Olá

Textos



Olá o meu nome é Ricardo e eu não acredito no meu potencial, as pessoas ao meu redor me dizem sempre o quanto eu sou bonito e inteligente, mas eu não me vejo assim. Sempre me enxergo parcialmente bonito – porque isso depende muito do dia – não acredito que posso ser tão inteligente assim, pois já cometi tantos erros que hoje não arrisco mais nada. Não é tão fácil viver assim, mas isso mudou…
Um dia como de costume eu acordei atrasado, tomei um banho às pressas e fui correndo com uma roupa qualquer para o trabalho, roupas não são minhas maiores preocupações e isso não precisava ser citado agora, mas enfim… Para mim o dia já começara péssimo, eu havia tido uma noite de sono terrível na qual ocorreram diversos pesadelos, acordei com pensamentos que lutei tempos para esquecer e por ai vai.
Como de costume também eu liguei para a pessoa que mais confio e soltei nela toda a minha ira pelo mundo, toda a minha ridícula revolta com a sociedade e comecei a impregná-la com o meu desgosto patético por mim mesmo e tudo o que a minha amiga fazia era ouvir e ouvir. Chegaram a ter momentos em que eu pensei que a ligação havia caído, confirmava se Débora ainda estava na linha e continuava a metralhá-la com minhas palavras. Algo que eu devia ter citado é que Débora era careca e não tinha uma mama devido ao câncer com o qual ainda lutava todos os dias.
Depois de só eu ouvir, Débora pediu que eu fosse até a sua casa e assim eu fiz quando sai do trabalho. Chegando lá a encontrei sentada com o banjo que eu havia lhe dado e com a minha chegada foi colocado de lado, sentei na frente da minha linda amiga e ela me olhou firmemente nos olhos, segurou minhas mãos e disse: Ricardo hoje recebi mais um exame e nele consta que não tem mais jeito, acabou para mim e minha hora está por chegar e sabe o que eu acho disso?
Respondi que não e ela me falou “Eu acho isso maravilhoso! Eu finalmente descansarei, mas também acho isso terrível, pois meu amigo eu tenho pavor de te deixar sozinho, temo todos os dias pela falta de crédito que dá para sua vida, tremo sempre quando penso que tu não confias em ti e meu amor eu te amo tanto que não aguentaria te ver mais uma vez sofrendo por se achar feio ou algo do tipo”. Eu ouvia as palavras de Débora e chorava desesperadamente, vê-la ali na minha frente anunciando a sua sentença de morte e ouvir que sua maior preocupação era eu, não era fácil e o nó na minha garganta só apertava, o meu desejo era que apertasse e me tirasse a vida. Mas não, isso não poderia acontecer e eu voltei a focar no que o meu anjo me dizia…
Olá o meu nome é Ricardo e eu me sinto totalmente satisfeito comigo mesmo, sei que sou um belo rapaz e tenho um potencial invejável, mas eu só me dei conta disso porque tinha um anjo na minha frente que fazia questão de sempre me mostrar isso, mas a minha revolta e ignorância eram tão grandes que eu me isolei de muitos prazeres por simplesmente não ouvi-la e hoje no meu coração sobra arrependimento por isso e eu pago com lembranças, agradecimentos e vivo todos os dias em função da minha felicidade.
Débora morreu três meses após aquele dia, era uma terça-feira de sol e sobre o seu caixão eu chorei descontroladamente, jamais tive alguém como ela na minha vida e nunca encontrarei alguém assim, ela se eternizou em mim.
Todos os dias eu acordo e assisto a um vídeo em que Débora diz a mim o quanto sou especial e vejo isso todos os dias não porque preciso lembrar-me disso, mas porque preciso nunca esquecer que existem coisas piores para se preocupar.
Prazer Ricardo.